
Tiziu
Uma parte pequena da minha vida foi no interior de São Paulo. Lá fiz amigos, vivi uma vida saudável, tive vários trabalhos e ia trabalhar de bicicleta.
O lugar era perfeito, rodeado de natureza, verde, pássaros, alunos acolhedores, chefe incrível, colegas simpáticas, sonhos. Eu recebia muito ali, mas por razões diversas e que me levaram até ali, eu estava muito infeliz.
Como era muito nova e insegura, eu não percebia as escolhas dos meus caminhos. Eu acreditava que eu não poderia escolher, fosse porque não era digna, fosse porque aprendi, ainda que inconscientemente, que mulheres não escolhem. Mulheres apenas seguem o caminho de quem tem poder de escolha. Mulher é lastro e homem, timão.
Em meus passeios solitários pela natureza, adorava ouvir os sons que ela tocava, como uma orquestra. Muitas vezes andava sorrindo envolta por tanta beleza e, de repente, eu chorava, pois estava num paraíso e ainda assim era infeliz. Eu me perguntava o que eu estava fazendo com a minha vida?
Eu não sabia o que queria, mas sabia que não estava feliz, e que, por mais medo que eu pudesse sentir por assumir certa verdade, em algum momento eu teria que aceitar que ali não era o meu lugar.
Não pela natureza, que é sim meu espaço seguro neste planeta, mas por todo o resto, que destoava da minha alma, da minha ideia de vida, de família, de respeito e principalmente, de autorrespeito.
Entender tudo isso foi um processo difícil.. com muito mais dor imputada pela vida, rasteiras e a imposição da vida para o meu amadurecimento e o despertar do meu olhar generoso para comigo mesma, não me permitindo mais me desrespeitar.
Nestas caminhadas com lágrimas e dúvidas sobre o caminho que seguia, escolhendo sem ter escolhido, a natureza me dava elementos para sorrir e entender alguns ciclos.
Sempre que via um tico-tico pequeno, alimentando um chupim, duas vezes o seu tamanho, como se fosse seu filhote, eu sorria com certo sarcasmo, ao associar este mesmo perfil com os humanos aproveitadores, narcisistas, se aproveitando de outros de boa índole e ingênuos, sem que estes percebam os abusadores, assim como o tico-tico não percebe que o chupim, uma ave parasita, deixou o ovo dele para o tico-tico chocar e criar.
Mas o que mais me dava alegria nestes passeios era o encontro com um tiziu, que tem este nome por causa do som que ele faz. Não sei se você já viu um tiziu na sua frente, mas entre seus tiziu, tiziu, tiziu, de repente ele dá um salto, uma cambalhota, um mergulho e volta para o mesmo lugar que partiu.
Cada tiziu que pude ver naquela época adoçou meus momentos vazios, incertos, subalternos e tristes. Ainda que eu estivesse chorando, ver um tiziu me fazia sorrir e esquecer toda dor. Eles eram os seres mágicos da minha floresta desencantada. Parecia que sabiam quando eu precisava sorrir e escapar das teias pegajosas de tantas incertezas e erros.
Tiziu, cambalhota, tiziu, tiziu, tiziu, cambalhota… e eu sorria e me perdia nas cambalhotas e no som que me chamava para fora da minha realidade prisioneira.
Eventualmente, mas não facilmente, deixei de ser lastro de navio alheio. Sobrevivendo a alguns afogamentos e depois ficando à deriva por um bom tempo, me afastei da convivência com a natureza, pois voltei para a cidade de pedra, sem seres mágicos ou tizius para me adoçarem a vida mais equilibrada.
Estes dia, passeando por outra cidade do interior, ele me chamou:
– Tiziu! tiziu! tiziu!
Corri com meu celular para registrar esse mago, mas não vi cambalhotas e duvidei ter o mesmo encanto que recebia dele. Quando estava quase me virando, ele saltou majestoso e meu chamou de novo. Sorri e chorei, desta vez de emoção…. Você, pequenino, sabe me emocionar e me levar para longe de toda angústia, dor, perda e tristeza.
Eu queria poder fazer minha morada perto de você!
Voltei refeita na alma, na esperança de viver em comunhão com a natureza, enquanto estou em comunhão comigo mesma, certa de compreender que dar adeus tem dois significados. O primeiro é quando é o melhor para quem parte, e assim foi com meu pai. O segundo é quando é o melhor para nós, e assim vou aprendendo a deixar pesos desnecessários pelo caminho, pesos que não me pertencem ou que me seguram e me amarram.
Sigo ouvindo a voz do tiziu e me permitindo saltar e cambalhotar com graça, leveza e autorrespeito.
Obrigada tiziu, por existir e por me fazer sorrir. Obrigada por me guiar e por ter voltado para mim de forma mágica, quando eu tanto precisava.
Estava com muita saudade de você!